terça-feira, 29 de maio de 2012

Crônica de uma semifinal para a história

Cenário: O campeonato interno do C. A. Paulistano sempre teve 4 ou 5 times fortes e 3 ou 4 sacos de pancada. Esse ano, devido ao amadurecimento dos garotos que começaram ano passado (a Inter de Milão), à redistribuição de alguns jogadores e ao surgimento de um time fortíssimo de garotos sub-alguma-coisa (a Portuguesa), o campeonato mudou completamente de figura: são 7 times brigando ponto a ponto por 4 vagas, 1 time que vendeu caro a derrota em quase todos os jogos e somente 1 saco de pancadas. Para se ter uma idéia, ficaram de fora das semifinais o atual campeão (Manchester) e o novo time de galáticos (Galo).

Personagens: O meu time (Fenerbaçhe) era a quinta força dos campeonatos passados. Tínhamos um time excelente no papel, mas alguma coisa sempre dava errado em campo - nervosismo, key players indo mal, reclamações com o juiz, etc. Fato é que nós fomos carta fora do baralho nas discussões do título nos últimos três ou quatro campeonatos - até que chegou 2012.

Não sei dizer direito o que mudou - as profecias Maias, algum alinhamento interplanetário, forças ocultas manobrando para tomar o poder - mas esse ano nós passamos de zebras a contenders. O time ficou mais focado, parou de brigar entre si e com o juiz, os franchise players passaram a jogar o que deles se cobrava e as contratações (cirúrgicas, diga-se de passagem) renderam até mais do que se esperava. Enfim, fizemos um excelente primeiro turno, encaramos de igual para igual os principais times do campeonato e nos classificamos em 3º lugar para as semifinais - com a mesma pontuação do 2º, aliás, mas perdendo nos critérios de desempate.

O adversário foi esse tal 2º, a já citada Portuguesa. Um time formado predominantemente por garotos de alguma seleção de base do clube (sinceramente, não me arrisco a chutar a geração), com alguns reforços da velha guarda. Ah, e é importante frisar, um time muito forte.

Tão forte que não se limitou a dar trabalho aos so called 'grandes'. Disparou na ponta no início do campeonato (um pouco favorecido pela tabela, acredito) e se consolidou como uma das forças do torneio, sacramentando sua classificação para as semis com uma vitória sobre o Manchester - vitória, aliás, que eliminou os detentores do título desse primeiro turno.

Histórico: Fener e Lusa se enfrentaram em um momento nevrálgico da temporada para ambos. A Lusa liderava, mas ainda não tinha sido efetivamente testada. Ganhara dos times menores, dois deles perigosos até, mas jogos que qualquer um que quisesse brigar para classificar tinha que ganhar. Em suma, era um time promissor, mas que ainda despertava desconfiança. O Fener vinha de dois empates-com-sabor-de-derrota contra os grandes e duas vitórias contundentes contra os pequenos. Em suma, começava a sacudir o complexo de vira-lata para longe.

A Lusa venceu por 3x1, mas as circunstâncias do jogo permitiram ao Fener não sair desmoralizado - nesse jogo, eu machuquei aos 10 minutos, tomamos um gol contra, um em um penalti besta e outro no contra-ataque nos minutos finais, quando pressionávamos em busca do empate. Saldo final, Lusa se firmando entre os grandes e Fener com justificativas para não desanimar - embora essa derrota viesse a custar caro mais tarde.

Após esse embate, o Fener se recuperou e engatou duas vitórias seguidas - uma delas em uma verdadeira batalha contra o Manchester - e chegou na última rodada precisando de um empate para classificar. O adversário era o Galo, time que mais se reforçara na pré-temporada, mas que demorara para engrenar e chegava na última rodada precisando ganhar para não depender de uma derrota improvável do Grêmio, seu adversário direto na luta pela vaga.

Fener x Galo também foi um jogo épico, mas não é o foco dessa crônica. Basta dizer que o Galo, após muito insistir, conseguiu abrir o placar aos 38' do 2º tempo e que o Fener empatou aos 43'. Uma classificação milagrosa, na raça.

Como já foi dito, a Lusa se garantiu eliminando o Manchester e, na última rodada, acabou levando uma goleada do Atlético-PR, o eterno favorito, que assumira a ponta irrefutavelmente. Mas essa classificação heróica não foi nada perto dos problemas de bastidores da equipe.

Após a última partida da Lusa no 1º turno, surgiu uma denúncia - prontamente comprovada - de que a equipe teria usado um jogador irregular durante todo o campeonato. A denúncia foi apurada pela Secretaria de Esportes e o Comitê de Patronos decidiu manter a pontuação da Lusa no 1º turno, mas a puniu com a perda de 6 pontos no 2º turno. Não sei dos detalhes do caso, mas, pessoalmente, achei que ficou até barato. Pois não foi o que achou o patrono da Lusa, que se disse injustiçado e que seu time 'responderia na bola essa injustiça'. Aquele discurso blasé de 'contra tudo e contra todos' que se banalizou no futebol nos últimos tempos.

Prelúdio: De um lado, com 15 pontos em 8 jogos, a Lusa, equipe sensação do campeonato, que vinha com a faca nos dentes (futebolês para o termo 'motivada por uma self called injustiça'). Do outro, também com 15 pontos, mas perdendo no confronto direto, o Fener, equipe em franca recuperação e disposta a mostrar que a derrota do turno tinha sido circunstancial. Vale a vaga na final do 1º turno. Ah, sempre é bom lembrar que a equipe de melhor campanha (no caso, a Lusa) joga pelo empate no tempo normal. Ou seja, para o Fener é win or go home.

Ato I: Bola rolando, o Fener com a iniciativa, mantendo a posse de bola e estudando o adversário. 80 minutos (sim, os jogos são 40' por 40') eram mais do que suficientes para fazer o gol da classificação, não havia porque se afobar. Porém, na primeira chegada da Lusa ao ataque, saiu um escanteio. Na cobrança, um desvio fortuito no primeiro pau tirou toda a minha zaga do lance e apareceu um lusitano sozinho no 2º para fazer 1x0.

Assimilado o golpe, Fener volta a tocar a bola, mas já começam a espoucar os lançamentos longos (sinal claro de que o time está nervoso). Para piorar a situação, em uma saída de bola errada da zaga, um atacante chega na linha de fundo e cruza para trás para o outro, que chega batendo e faz 2x0. Não devia ter nem 20' de jogo.

Um dos 'veteranos' que compõem o grupo da Portuguesa é o Polonês (por razões óbvias, não vou nem tentar escrever o sobrenome dele). Ele é um centroavante dedicado, mais brigador do que técnico, mas que sempre guarda um golzinho em mim. No passado, era quase sempre um gol na raça - e de honra, já que ele jogava em um dos times fracos do campeonato.

Pois nesse ano, não foi bem assim. Lançaram uma bola a meia altura e ele deu um tapa por cima do meu zagueiro. Dizem as más línguas que ele errou o domínio - difícil dizer, uma vez que o resultado foi um chapéu que o Neymar podia assinar sem constrangimento - mas o fato é que esse movimento o deixou na cara do gol. Na minha cara. Eu fechei o ângulo e me preparei para tentar buscar uma pancada em um dos cantos, mas ele só deu um toque sutil, que me encobriu e morreu na redinha do lado. Um gol de craque - o que já desmoraliza um tanto quem toma - colocando 3x0 no placar. A gente precisava ganhar, lembra? A moral não podia ser pior no lado turco da semi. Fim do Ato I.

Ato II: Porém, comprovando sua mudança de atitude e (principalmente) de mentalidade, o Fener não abandonou o jogo. Em outros tempos, essa situação equivaleria a jogadores batendo boca entre si, expulsões bestas e uma goleada vexatória, capaz de desanimar para o resto do campeonato. Pois não foi o que se viu. O Fener começou a ser mais incisivo (mesmo que ainda abusasse dos lançamentos, consagrando o zagueiro adversário), a criar chances meio tímidas...e foi em um cruzamento despretencioso do Cardoso da esquerda que a bola desviou na zaga e foi parar no fundo das redes lusitanas. 3x1, still a mountain to climb.

Mal a Portuguesa deu a saída, o Moisés já recuperou a bola e lançou o Lippi. Que chutou cruzado. E, no rebote do goleiro, o Giuli apareceu para fazer 3x2. Será...?

Já nos acréscimos do 1º tempo, uma jogada espetacular do Cardoso, que girou no meio de três marcadores e fuzilou o goleiro: 3x3! Fim do 1º tempo. Um jogo aberto, mas com a vantagem psicológica para o Fener.

No início do 2º tempo, após pressionar um pouco, finalmente passamos à frente: Lippi se livrou da marcação dentro da área e sofreu o penalti. Tenho certeza que 99% dos presentes pensaram em Robben, Cech e os efeitos da pressão sobre os cobradores em penaltis decisivos. Mas não o Lippi, que só deslocou o goleiro para virar: 4x3 Fener!

Convenhamos que uma virada milagrosa e um gol antológico já seriam o bastante para incluir o jogo no panteão dos melhores da história do CAP. Porém, ainda tínhamos mais de metade do 2º tempo pela frente - e algumas surpresas também.

A partir daí, os papéis se inverteram. A Lusa passou a buscar mais o jogo, a atacar mais, mas deixava espaços na sua defesa para os contra-ataques do Fener. Danton, o goleiro da Lusa, fez uma ponte espetacular em um chue cruzado do Lippi e a zaga desviou um chute do Giuli que tinha endereço certo. O jogo estava bom para o Fener, mas a Lusa conseguia encaixar alguns jabs, principalmente em escanteios e laterais perto da área. Fim do Ato II.

Entreatos: Devíamos estar próximos aos 25' do 2º quando o lance que vai marcar esse jogo aconteceu. Sim, mesmo com gol antológico e virada espetacular, ainda tinha algo ímpar, algo raro para diferenciar esse jogo dos demais. Após um escanteio do Fener, a bola sobrou com o Caio na ponta direita. Como é tradicional em bolas nessa posição, o Caio driblou seu marcador para a esquerda e bateu. A bola entrou no gol vazio, pois Danton havia abandonado a meta para prestar auxílio (leia-se 'alongar') ao Moisés, meia do Fener que havia se machucado (leia-se 'tido câimbra') no escanteio. 5x3, o que constituia uma vantagem considerável tanto na prática quanto no lado psicológico da Portuguesa.

A equipe da Lusa ficou transtornada com a suposta falta de fair play, mas a verdade é que o Caio não tinha visto o que aconteceu na área - nem seu marcador, diga-se de passagem. Quando se esclareceu o ocorrido, o Fener decidiu devolver o gol à Lusa e o Lippi, fominha que só ele, foi o responsável pelo tento. 5x4, temos um jogo novamente.

Ato III:  A partir daí, a Portuguesa passou a lutar pela sobrevivência e o Fener, para confirmar sua história de superação. A pressão lusitana nem era tão grande - eu peguei umas duas bolas boas, no máximo - mas o Fener já não tinha mais gás para contra-atacar como antes.

Quis o destino que a peleja ainda passasse por mais uma trágica inversão de papéis antes do seu final. Em um lateral próximo à área, a bola foi desviada por três defensores do Fener na sequência, sem que nenhum conseguisse afastar definitivamente o perigo, e acabou nos pés de um atacante lusitano no 2º pau. Ele dominou e bateu no meu contrapé, na redinha do lado. 5x5, com requintes de crueldade.

Ainda faltavam aproximadamente 10 minutos, mas nós já não tínhamos nem pernas, nem oxigênio no cérebro para tirar outro coelho da cartola. Mesmo assim, o Caio ainda obrigou o Danton a fazer um milagre em um chute no ângulo.

Após o fatídico apito final, uma festa portuguesa, com certeza. Um final triste e melancólico para o que foi o maior jogo já visto no Arthur Friedenreich - pelo menos para nós, claro. Fim do Ato III.

Conclusão: Apesar da tristeza por não estarmos na final, estou profundamente orgulhoso de fazer parte desse time. A garra que demonstramos para recuperar esse jogo perdido diz muito sobre o nosso caráter e sobre a nossa resiliência. Nós temos que chorar essa eliminação sim, nunca devemos sair felizes com uma derrota, mas não há motivo para desespero. Fener, nós saímos do 1º turno para entrar para a História.

E que o 2º turno nos aguarde...

domingo, 6 de maio de 2012

Pitacos avulsos

Fazendo uma análise relâmpago de Guarani 0x3 Santos (vendo só os gols, diga-se de passagem), tive um insight: essa pressão toda para o Neymar ir para a Europa não se justifica. Aqui no Brasil ele está evoluindo a olhos vistos, fazendo algo novo a cada jogo, com tão poucos buracos em seu repertório que seus detratores são obrigados a apelar para uma suposta tendência ao cai-caísmo do garoto (confesso que concordo com eles, os detratores, mas só quando o Neymar enfrenta o São Paulo).

Já o Ganso é outra história. Extremamente talentoso e cerebral, mas ainda com falhas de fundamento semi-básicas - o pé direito dele, por exemplo, não deve servir nem para subir no ônibus. Hoje, no 2º gol ele só não entrou de bola e tudo porque fugiu do domínio com o pé ruim. Esse é o tipo de coisa que se deixa passar no Brasil, em nome do talento, da extrema aptidão que o craque tem em outras funções do jogo. Na Europa, ele ficaria todo dia depois do treino praticando o pé ruim.

Não é que os europeus são melhores que nós, longe disso, mas que culturalmente eles se preocupam mais com os fundamentos do que a gente - com as honrosas exceções de praxe: Telê fazia o Cafu treinar cruzamento todo dia e ele nunca teve uma média de acertos tão boa quanto a do começo da carreira, no São Paulo.

Em síntese, acho que o Neymar está com a carreira no caminho certo (apesar do seu empresário), mas que o Ganso (e a seleção brasileira) se beneficiaria muito de uma transferência para a Europa agora, quando seu jogo ainda pode ser moldado.