segunda-feira, 6 de julho de 2009

Sobre Lendas e Monstros Sagrados

Enquanto isso, no monte Olimpo, a bancada dos deuses do tênis se reunia para deliberar sobre a futura admissão ou não de um rapaz postulante a lenda. Sendo dos mais liberais dentre as divindades esportivas, os deuses do tênis gostam de compartilhar seu panteão com as lendas e monstros sagrados que desfilaram sua arte pelas quadras - ao contrário dos do futebol, por exemplo, que juram que a lenda deixou de existir no momento em que parou de jogar.

As credenciais do rapaz eram respeitáveis. 60 títulos, sendo 14 Grand Slams, incluindo um career Grand Slam. 237 semanas na liderança do ranking. 5 anos consecutivos ganhando em Wimbledon e no U.S. Open. Ganhador do Laureus quatro anos seguidos. Tudo isso em apenas 28 anos de vida. Além disso, seu jogo tem uma fluidez que faz o tênis parecer fácil, com golpes perfeitos das posições mais difíceis. Só eles sabiam quão difíceis eram e quão fácil ele fazia parecer.

Porém, como em todo grupo liberal que se preze, também no Olimpo havia a oposição. Na bancada do tênis, ela era composta por divindades que já reclamavam há algum tempo que seu espaço vinha diminuindo, como os deuses do saque-e-voleio e do backhand-com-duas-mãos. Segundo eles, se continuassem deixando entrar qualquer um no panteão, logo não sobraria espaço nem para jogar ping-pong!

Como não havia muito o que criticar no jogo do rapaz, os deuses do contra costumavam resmungar sobre a suposta falta de concorrência em sua geração e outras besteiras do tipo. Nunca tinha passado de um débil protesto, até que o rapaz foi superado por um garoto voluntarioso, de sangue quente e transbordando energia. Coisa normal, pela qual todas as grandes lendas passaram em seu tempo, mas que ganhou ares de defeito irremediável nas arengas dos deuses espaçosos. Segundo eles, o rapaz nunca tivera adversários decentes e sucumbira diante do primeiro que apareceu. Estava claro que não merecia compartilhar do mel e da ambrosia com eles.

Era para acabar com essa discussão de uma vez por todas que a cúpula estava de olho em seu principal templo, a quadra central do All England Club, em Wimbledon. Era preciso ver se o que falavam do rapaz não era mesmo exagero - os rumores diziam que ele seria capaz até de rivalizar com o genial Pete Sampras, imaginem!

Algumas lendas e monstros sagrados também compareceram e foram devidamente flagrados, como o próprio Sampras, Bjorn Borg, Manuel Santana, Ilie Nastase, Rod Laver e John McEnroe. Outros, como Arthur Ashe e René Lacoste também estavam lá, embora a multidão não os conseguisse ver. Mesmo os que não estavam presentes, como Boris Becker, Ivan Lendl e Jimmy Connors, assistiram a partida com interesse, curiosos pelo desfecho desse imbróglio.

E assim, após uma batalha de mais de 4 horas de duração, com um 5º set que sozinho valeu por um jogo, o rapaz conseguiu o almejado 15º Slam (sim, ele veio), superando os 14 de Sampras. Seu adversário, um daqueles que nunca tinha sido concorrência, deu um show tão ou mais empolgante que o do campeão. O mundo, que tinha parado para ver a consagração de Roger Federer, ficou emocionado com o coração de Andy Roddick. Depois de toda a luta, das chances perdidas, da pressão psicológica - não se perde de alguém 16 vezes em 18 sem sequelas - o galante vice-campeão, em sua entrevista após o jogo, procurou Sampras na platéia e, com os olhos marejados, disse "eu tentei. Desculpe, Pete, eu tentei segurá-lo".

Todos os deuses, da situação e oposição, ficaram impressionados com Roddick. Ele podia não ser uma lenda, mas com certeza era um monstro sagrado. E quem domina por tanto tempo um adversário desse calibre com certeza merece um lugar no panteão de lendas.

Ao final, a decisão foi unânime. Desfrute ao máximo seu tempo em quadra, Roger, que seu lugar no Olimpo já está garantido.

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