sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Agruras da transmissão esportiva no Brasil - II

Armando Nogueira diz que quando iniciou a carreira, o jornalista esportivo era a ralé, relegado ao plano da insignificância. De lá para cá, muita coisa mudou, mas parece que cresceu o número de seus colegas fazendo justiça ao conceito, principalmente nos veículos especializados de massa.

Ontem, uma manchete no UOL dizia que Rogério Ceni estava cobrando da população protestos contra o Senado. Futebol entrar no mérito da política é raro no Brasil - embora o contrário seja mais comum do que o bom senso aconselharia - então fui lá ler as tais declarações conclamatórias. Pena que não havia nenhuma (see for yourself).

Apesar da reportagem dizer com todas as letras que o Rogério "pediu para que a população se revolte perante os escândalos que assolam o Senado, e não contra o futebol", tudo o que encontrei lá foi uma crítica à inversão de valores da sociedade. O Rogério, ao falar sobre a invasão do vestiário da Portuguesa por pessoas armadas, lamentou o fato das pessoas se importarem muito mais com o mau desempenho do time (que é ineficiência) do que com a má gestão da máquina pública (que é crime). Porém, "Rogério cobra protestos contra o Senado" gera muito mais repercussão que "Rogério recrimina inversão de valores na sociedade".

Hoje de manhã, recebi no farol o jornalzinho da Placar ao invés do Metro ou do Destak. Ótimo, afinal eu só lia as manchetes e a página de esportes dos outros dois mesmo! Anyway, achei que ia ser algo como o Lance! - tendencioso, populista, mas com alguma informação que se salve. Outro engano.

Na capa, além de uma matéria sobre a volta do Muricy ao Morumbi questionando se ele é herói ou traíra, tem chamadas para uma entrevista do Amoroso ("Amoroso ataca Rogério Ceni"), para uma matéria sobre o Fórmula 1 ("Estatístico inglês prova que vitórias do Barrichello são melhores que as do Senna") e para um artigo sobre visagismo ("Visual errado faz craque jogar mal").

Pois bem, na entrevista o Amoroso fala sobre vários assuntos, todos polêmicos, e comenta que ficou chateado pelo Rogério Ceni não ter usado sua influência para que ele ficasse no SPFC - sou só eu ou 'ataca' é meio forte para o caso? Sem falar que a entrevista teve 5 perguntas, cada uma sobre um tópico diferente, mas a chamada era só para um adendo a uma das respostas.

A da Fórmula 1 é um pouco pior: um estatístico inglês, a pedido da Placar, fez uma contagem do número de ultrapassagens que cada piloto brasileiro fez nas suas 10 primeiras vitórias. O Senna só fez 4 e o Rubinho fez 15. Ok, e daí? Desde quando número de ultrapassagens é critério de qualidade? Uma vitória de ponta a ponta é pior que uma saindo em 3º? Depois ainda vem um comentário do Flávio Gomes dizendo que isso é besteira, que os tempos eram outros, que não havia reabastecimento, que o Barrichello ultrapassou 13 vezes em duas corridas atípicas onde quase todo mundo quebrou e que isso só mostra que o tipo de pilotagem mudou com os anos. Ou seja, a reportagem conclui que não diz nada de útil. E mesmo assim quem publicou colocou como manchete "Melhor do que Senna".

Por fim, o visagismo - segundo a própria reportagem, "a arte de descobrir o que uma pessoa deseja expressar e criar para ela uma imagem pessoal que revele essa intenção". Deseja expressar e revele essa intenção são os termos chaves aqui - ou seja, é uma técnica para melhorar a imagem e o marketing pessoal. Quer dizer, segundo ela, se o Ronaldinho Gaúcho cortar o cabelo e tirar a faixa da cabeça, não só vai passar a imagem de menos avoado como também vai acertar mais passes, participar mais do jogo e fazer mais gols. Quem sabe eu não fico mais inteligente se colocar óculos! Sério, se eu tivesse pago por isso, teria ficado muito bravo!

O futebol nacional tem uma série enorme de problemas e um deles é a má qualidade da imprensa especializada, com raras e honrosas exceções. Seria interessante para as próprias exceções separar esse produto - misto de programa sensacionalista, conto-do-vigário e panfletagem - do verdadeiro jornalismo, onde quem dá a notícia não vende pageviews ou pontos no IBOPE e sim sua credibilidade.

2 comentários:

  1. Não só na mídia esportiva vemos esse tipo de manchete...

    Veja o que saiu hoje na homepage do Yahoo!

    "Pesquisa: Judiciário recebe nota 6,5.

    Mesmo com pouca confiança, população ainda recorre a ela pra solucionar conflitos."

    Nãããããão, Pedro Bó! Pra solucionar questões trabalhistas, tributárias ou mesmo de direito de consumidor, melhor consultar um pai-de-santo. Ou então um arquiteto. Quem sabe o CREA tem melhor credibilidade que o judiciário!

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  2. Essas manchetes de pesquisa são de lascar, mesmo porque os próprios pesquisadores não delimitam corretamente suas hipóteses.

    Tem um caso célebre do perigo das pesquisas no campo médico que meu pai conta sempre: uma pesquisa publicou que a beringela ajudava no combate ao colesterol. O cara pegou um bando de coelhos e os fez ficar com o colesterol alto. Depois, passou a alimentar os bichos só com beringelas e voilá! O colesterol caiu! A pesquisa saiu em uma revista médica conceituada, com todos os detalhes possíveis e imagináveis. Na edição seguinte da revista, veio uma carta de um médico questionando os resultados obtidos, alertando que além da taxa de colesterol reduzido, os coelhos também estavam com um alto grau de inanição. Ou seja, não é a beringela que reduz o colesterol, é o coelho que não gosta de beringela e estava passando fome! Agora pergunta se a revista se retratou com algo mais que a publicação dessa carta...

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