terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Capítulo 15

Deitado em seu colchão d’água no quarto de sua penthouse, J. P. Alphonsus sentiu uma súbita necessidade de repassar mentalmente pela enésima vez a situação, exatamente como iria apresentá-la ao professor de manhã. Afinal, a última coisa que queria era passar a impressão de ser um amador no assunto. Como começaria a história mesmo? Ah, sim, pelo começo.

Ele, J. P. Alphonsus III, é o dono-presidente-CEO da JPA3 Empreendimentos, uma empresa que controla grande parte das lojas da maior região de comércio a céu aberto do Brasil: a 25 de Março. Para ser exato, 91% das lojas, com exceção das Galerias Pagé, que são controladas por um clã sul-coreano, os Kim. Ele e os Kim eram rivais ferrenhos, competindo nos últimos anos por cada centímetro disponível, mas um perigo mútuo havia unido os fidagais adversários.

Nos últimos meses, uma série de misteriosos assassinatos tinha acontecido na Ladeira Porto Geral, que fica bem no coração da região da 25 de Março. A polícia, apesar dos gordos incentivos oferecidos por ele e pelos Kim, não conseguira avançar nas investigações. A sensação de insegurança tinha reduzido substancialmente o movimento e havia um grupo de políticos oportunistas que propunha fechar o que chamavam de “aquele antro de comércio ilícito”, alegando que ele atraía a violência para o seio da nossa pacata cidade.

Porém, para a JPA3, essa era a pior época possível para que isso acontecesse. Ele tinha acabado de investir uma larga soma na revitalização das lojas e em propinas para os fiscais da prefeitura. Havia contraído alguns empréstimos, contando com o movimento constante dos dias normais e os picos dos feriados, cuidadosamente mapeados ao longo dos anos. Se já não bastasse esse assassino espantando seus clientes, agora a prefeitura ameaçava fechar a rua e mudar o zoneamento! Se isso ocorresse, mesmo provisoriamente e por pouco tempo, a falência seria certa. Sua única esperança era pegar o assassino. Por isso chamara o senhor, professor Longdon.

Não fora noticiado na imprensa para evitar o pânico, mas as pistas colhidas pela polícia indicam que todos os assassinatos tinham sido perpetrados pela mesma pessoa. Os principais suspeitos até então eram os camelôs ilegais, mas não havia provas conclusivas contra eles.

Bom, o caso é esse. Mas e se ele quiser saber de mim, de onde vim? Afinal, o cara é fascinado por história! Bom, J. P. é de Johann Peter, que foi o nome de meu bisavô por lado de pai. A família era aristocrática, mas tinha dilapidado quase todo o patrimônio em futilidades. Ele, J. P. Alphonsus, conseguira reconquistar parte da fortuna investindo no mercado varejista em larga escala. Tudo começara com a coleção de lenços de seda do avô. Todos os 374 lenços tinham o ‘JP’ bordado a ouro no canto e, por lógica, acabaram sendo sua parte da herança. Pois bem, através de uma parceria com uma costureira, transformou os lenços em roupa de cama: 17 jogos completos de casal de patchwork de pura seda. Dera 100 reais pra costureira e, com o restante, comprou uma loja de tecidos na 25 de Março. Em pouco tempo, com os lucros, comprou outra. E mais outra. Em 3 anos, chegara aos mais de 90% das lojas da 25 e região, com exceção das Galerias Pagé. Além das lojas próprias, a JPA3 Empreendimentos recebia uma % de cada loja alugada na 25, o que permitia uma vida confortável a seu dono-presidente-CEO.

Sim, a vida era boa, mas tudo isso agora estava ameaçado. Só você pode me ajudar, Mr. Longdon. Não, Rupert. Ou será que fica forçado demais? Melhor chamá-lo só de professor Longdon.

1h43 da madrugada. Essa história já estava dando insônia. Engoliu dois Rivotril com um gole de bourbon e mergulhou em um profundo sono sem sonhos.

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