quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Capítulo 2

Em Cumbica, depois de duas horas para passar pela alfândega por causa da greve da Polícia Federal, Rupert Longdon encontrou seu contato no saguão do aeroporto. Era um homem baixo, usando um bigode com cara de falso e segurando uma plaquinha onde se lia Rupert Longdong. Só faltava essa, meu empregador é um piadista, pensou. Bom, podia ser pior, se fosse algo do tipo...well, actually, não tinha como ser pior.

Sem qualquer saudação, o caricatural homenzinho conduziu-o até um Monza 89. Vendo o nariz torcido de seu passageiro, garantiu que o uso desse carro em particular era imprescindível por razões legais – e não mentia, já que era dia do rodízio do seu carro e aquele era o da sogra que ele tinha pego emprestado.

Percorreram lépidos a Ayrton Senna, porém, ao chegar à Marginal Tietê, o trânsito da hora do rush de São Paulo atingiu-os como uma bofetada. O ar estava quente e abafado e o zumbido dos motoboys passando a alguns milímetros do espelhinho era praticamente ininterrupto. Sentindo os ovos e a salada de repolho da comida do avião se encontrarem no seu estômago, Longdon tentou sondar o motorista sobre detalhes do caso. O homenzinho não era lá muito expansivo, mas disse que as instruções viriam diretamente do chefe na hora oportuna. Para gastar o tempo, nosso herói passou a examinar os detalhes do veículo. Notou que pendurado no espelhinho havia uma fita do Nosso Senhor do Bonfim e tentou puxar papo com o hermético motorista.

- Bahia, hein? I´ve been there...belas cidades, lindas mulheres...muita música, sol forte, praia...diz aí, por que diabos você saiu daquele paraíso pra vir pra essa metrópole fedida?

O homenzinho não saiu do seu mutismo e continuou olhando fixamente para a Caravan laranja com vidros 150% filmados na sua frente.

Rupert Longdon hesitou por uns minutos, mas retornou à carga.

- Wait, don´t tell me...essa fitinha é presente de alguém que foi à Bahia e trouxe pra você, né? Você sabia que essa mistura do catolicismo com o candomblé é um símbolo do atraso cultural em que vocês vivem? E olha que de símbolo eu entendo!

Os olhos do homenzinho se desviaram rapidamente para o espelho. Um Escort XR3 amarelo rebaixado reduzia a velocidade atrás deles. Longdon entendeu o movimento das pupilas como uma reação negativa e tentou uma cartada final.

- Já sei! Você é...é...what´s it called? Chicleteiro! Essa foi a única lembrança do carnaval na Bahia que você conseguiu comprar depois de passar seis noites tomando vodka com Fanta Uva e tentando trocar uma noite de amor com você por um...um...what´s that word again? Oh, yes...abadá!

De repente, o Monza saiu cantando pneu e enveredou pelo acostamento, com a Caravan e o Escort em sua caça. Longdon, que não tinha notado os perseguidores, continuava com suas suposições sobre as raízes da fitinha, misturando Jorge Amado, ACM e Vampeta numa teoria ininteligível de fazer inveja a Caetano Veloso. Ou não. Só quando o Escort bateu no pára-choque do Monza é que ele se tocou do que acontecia.

Cem metros à frente, um Audi A36 prata rebaixado, com banco de couro e rodas de liga leve estava parado no acostamento com um pneu furado. Seu dono, que depois de chamar a seguradora usava o celular para passar trotes para Honduras, só percebeu a perigosa aproximação quando havia pouco a se fazer. Instintivamente, protegeu com a mão os olhos para não ver a porrada, mas não conseguiu evitar ouvir a explosão.

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