terça-feira, 29 de setembro de 2009

Capítulo 5

O centro de São Paulo na hora do rush produz uma singular mistura de odores, visões e ruídos. Há carros que fecham cruzamentos e são brindados por outros carros com uma orquestra atordoante de buzinas. Há milhares de pessoas que se deslocam de seus trabalhos para a escola ou para casa sem ao menos olhar para o lado. Há vendedores ambulantes que tentam chamar a atenção dos passantes para suas mídias e óculos piratas. Há funcionários zelosos de toda espécie de estabelecimento comercial que despejam os sacos de lixo do patrão em pleno meio-fio. Há barraquinhas de churrasco circundadas de pequenas multidões, enquanto, em algum lugar, um miado angustiado chora a perda de um ente querido. Há travestis e prostitutas que saem mais cedo em busca dos clientes mais ávidos, madrugadores ou incontinentes. E toda essa cacofonia ainda é cortada de tempos em tempos por alguma sirene estridente, que deixa a respiração suspensa por um segundo e some sem deixar rastros. Talvez por isso ninguém tenha notado o beco sórdido ao lado de uma padoca, onde dois coreanos discutem enquanto arrastam um corpo para trás de uma lixeira.

- Porque você enfiou a faca aí? Agora a camisa tem um furo! E tá toda manchada de sangue! Por que não torceu o pescoço dele?

- Agora não adianta discutir! Além disso, a gente não tem muito tempo e olha o tamanho dessa cabeça! Ia demorar uns três dias pra torcer até o fim!

- Tá, deixa pra lá...vamos dar o fora rápido!

- Mas será que ninguém vai notar um cadáver de um cearense pelado aqui? Não é melhor esconder?

- Onde?

- Ali, entre o mendigo que morreu de frio e o drogado que morreu de overdose.

Os dois unem esforços para arrastar o mirrado corpo até o fundo do beco e despejam-no no meio dos outros corpos. Rapidamente, deixam-no apenas de cueca, levando suas roupas, seu rolex falseta, seus passes de ônibus e seu crachá.

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