quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Capítulo 3

Dentro de um quarto fétido de uma pensão meia-estrela no centro da cidade, uma forma se remexia sofregamente em cima do colchão ralo e cheio de pulgas. Subitamente, o alarme do despertador cortou o silêncio daquela tarde de quarta-feira, só para ser abafado pelo grito de terror típico do despertar no meio de um pesadelo terrível. Com o suor escorrendo pela face, a forma desligou o alarme e sentou-se na beirada da cama para recompor os pensamentos.

Tivera o mesmo pesadelo de sempre. Estava no mesmo corredor estreito, usando o mesmo uniforme de segurança, com o mesmo pavor no coração de todas as noites, quando de repente uma avalanche de pessoas veio em sua direção. Ele já esperava, mas nem por isso o terror era menor. Era mais gente do que ele sabia contar – matemática nunca fora o seu forte – mas não era preciso ser nenhum Einstein para perceber que era mais gente do que caberia naquele corredor. Ele se virara para fugir, mas fora engolfado e arrastado pela multidão corredor afora. Já estava ficando sem ar, esticando a mão por sobre aquele mar humano em busca de uma tábua de salvação quando, finalmente, o relógio o despertou.

Tinha se cansado daquela vida, de não conseguir dormir direito à noite, de acordar quase sufocado, banhado em suor e com um grito entalado na garganta. As duas pensões anteriores em que ele se arrumara o tinham posto na rua depois da segunda madrugada de gritos apavorantes.

Felizmente, conseguira trocar seu posto de segurança diurno pelo de vigia noturno. Ainda tinha o pesadelo, mas com menos freqüência e cada vez vinha menos gente para afogá-lo no corredor estreito. É, apesar do risco e da confusão de dormir de dia para trabalhar à noite, tinha feito um bom negócio.

Depois de se aprontar, saiu para tomar o desjejum. Uma das coisas mais complicadas tinha sido adequar a alimentação ao seu novo horário. No primeiro dia, atacou um PF na padaria perto da pensão, mas seu estômago não se deu bem com o ovo frito e o bife sola-de-sapato logo ao acordar. Resolveu então fingir que o dia continuava igual, mesmo que estivesse escuro no café da manhã e amanhecendo no jantar. Sua referência seria sempre a hora de acordar. Agora, chegava na padoca às 20hs e já tinha um pingado e um pão na chapa esperando por ele no balcão. E quando saía do serviço, às 6 da manhã, encarava um ovo cozido e umas coxinhas com o guaraná Convenção. Sentia falta do arroz, feijão e farinha diário, mas não se pode ter tudo na vida. Todo dia, a mesma padoca. Todo dia, o mesmo banco no balcão. Todo dia, a mesma tia atendendo. Definitivamente, a vida vinha melhorando.

Estava no semáforo ao lado da padoca quando foi agarrado por dois homens e arrastado para um beco sórdido. Antes que pudesse esboçar qualquer reação, sentiu o metal gelado penetrando entre suas costelas e desmaiou, sem nem ao menos entender por que fora esfaqueado.

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