quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Capítulo 11

Estava de volta ao corredor estreito, afogado pela multidão, sem ter para onde ir. Sentia algo tampando seu nariz e teve certeza de que morreria em pouco tempo, quando sentiu uma mão o agarrando pelo ombro e o sacudindo.

- Mano, cê tá muuuito louco, hein? Tá tentando cheirar o saco de lixo! Sério, velho, nunca pensei que fosse achar alguém num naipe pior que o meu, mas cê bate todos os recordes!

Olhou em volta lentamente, procurando o corredor, as vitrines, a multidão e não encontrou nada. Estava em um beco sórdido, só de cueca, deitado de bruços em cima dos sacos de lixo, entre um mendigo dormindo e um drogado sorridente. Lembrou de ter parado no semáforo quando estava indo para a padoca. Lembrou de ser agarrado por dois homens e de ver que um deles era japa. E lembrou também de...

Esticou a mão para trás, tentando alcançar o local da facada. Sentiu uma pontada de dor, mas não encontrou nem a ferida nem sentiu sangue escorrendo. Para falar a verdade, a ponta dos seus dedos estava congelada, por isso era difícil descobrir qualquer coisa pelo tato. Mas talvez não fosse uma ferida fatal, no fim das contas!

Não tinha idéia de quanto tempo ficara desacordado, apenas sentia um frio miserável e uma fome dos infernos. Seu estômago roncava tão alto que ecoava pelo beco sórdido. Ao seu lado, o cara sorridente falou:

- Ih, ó o cara! Mó larica, hein? Chega aí, eu tenho uns docinhos pra essas horas...

Rachou com o drogado uma pipoca doce Aritana e, lentamente, sentiu que as forças retornavam, embora o frio persistisse. Do outro lado, o mendigo acordou, tomou um trago de uma garrafa num saco de papelão e dormiu de novo. Sua mão segurava a garrafa como um torniquete, mas de debaixo de seu braço escorregou um pacote com seus pertences.

Era um homem honesto, mas nessa hora descobriu que seus escrúpulos não sobreviviam a temperaturas muito frias. Assim, murmurando desculpas para enganar a própria consciência (um ‘é só um empréstimo’ e um ‘depois eu devolvo’, para ser exato), pegou o paletó que estava por cima do pacote e o vestiu. O cheiro não era tão ruim, principalmente comparado ao lixo da padoca, mas o mais importante é que ele era forrado por dentro.

Bom, a fome e o frio já não eram problema, mas ele ainda precisava chegar ao hospital o mais rápido possível. Como que para ilustrar esse pensamento, um espirro lhe subiu do fundo da alma e ecoou pelo beco sórdido. Com a sabedoria de quem vivia nas ruas, seu comunicativo novo amigo diagnosticou, ainda mastigando os últimos piruás:

- Rapá, isso é gripe suína! Eu sei por que um amigo meu teve também! Ele passou umas duas semana dando esses espirro louco e, de repente, amanheceu morto. Com as mãozinha pra frente, assim, que nem um leitão assado. Cê precisa ir no médico logo!

- E como é que eu vou no médico assim? Sem calça e sem um puto no bolso?

- Olha, quando eu acho que tou doente, eu procuro algum acidente de carro ou atropelamento e deito do lado das vítimas. Às vezes a ambulância me leva junto.

Não era má idéia. Levantou-se, agradeceu ao drogado e encaminhou-se para a rua principal. Para sua sorte, viu que um motoqueiro tinha sido atropelado por um ônibus e estava esparramado no chão. A sirene de uma ambulância já soava nas redondezas.

Não havia tempo a perder! Precisava chegar antes da ambulância e deitar no chão sem que os outros percebessem. O som da sirene estava mais alto, mas ainda dava tempo. Seus olhos ainda não tinham se habituado à claridade, quando ele desatou a correr para o local do acidente.

De repente, ao som da sirene se juntou o de uma buzina. Ele mal havia dado dois passos pela rua quando foi atropelado em cheio pela ambulância e caiu desacordado ao lado do motoqueiro.

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